Em um ato hoje (21) em frente à sede do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), no centro do Rio de Janeiro, entidades e pesquisadores pediram que o órgão responsável pelos registros no país não conceda a patente do medicamento Sofosbuvir, para tratamento de hepatite C, solicitado pelo laboratório Gilead Sciences. O grupo entregou ao Inpi um documento com embasamento técnico para o pedido.
O coordenador do Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI), da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Pedro Villardi, explicou que o país já tem a tecnologia para a fabricação do medicamento genérico para a cura universal da hepatite C.
“A gente está falando para o Inpi que, de uma vez por todas, essa patente precisa ser rejeitada, para o Brasil ter acesso ao medicamento genérico, conseguir tratar o maior número possível de pessoas, e eliminar a hepatite C até 2030, que foi o compromisso que o governo brasileiro assumiu internacionalmente e com as pessoas vivendo com hepatite no Brasil”.
Segundo Villardi, outros países já rejeitaram a patente, como a China, recentemente, e o Egito, que tratou mais de 1 milhão de pessoas com medicamento de baixo preço. Segundo a organização Médicos sem Fronteiras, o Brasil poderia economizar R$ 1 bilhão com o uso do genérico.
“Tem tido muita luta por causa dessa patente. A Gilead não tem aberto mão de nem um centavo de lucro no mundo inteiro e ela consegue isso com esse monopólio que a patente gera. Então, nós do GTPI, Fiocruz e outras entidades, temos produzido argumentos técnicos e de saúde pública para dizer para o Inpi que é urgente a rejeição dessa patente, para que a gente tenha acesso ao medicamento genérico o mais rápido possível”, disse Villardi.
De acordo com o coordenador do GTPI, a hepatite C é pouco diagnosticada no país, com estimativa de que 657 mil pessoas no Brasil tenham a doença. “De 2000 a 2016 foram cerca de 25 mil óbitos; em 2017 foram diagnosticadas 24 mil pessoas. Com esse medicamento novo, o Sofosbuvir, que tem 90% de taxa de cura, foram tratadas, de 2015 até 2018, 25 mil pessoas. Então a gente vê que o empecilho é o preço, o governo não pode comprar mais tratamentos com o preço que a Gilead cobra, então a gente precisa do medicamento genérico 100% nacional, que já está pronto para ser vendido ao governo brasileiro e traz uma redução de quase 80% no preço desse tratamento”.
Genéricos
A química Eloan Pinheiro, ex-diretora do Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz (Farmanguinhos) e funcionária aposentada do Departamento de Aids da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra, que trabalhou ativamente para a quebra de patente dos medicamentos para aids no Brasil, explicou a importância da fabricação de medicamentos genéricos.
“Na época, a Farmanguinhos fez os primeiros genéricos no mundo para tratamento de aids e salvou milhões de pessoas, isso reduziu o custo em 80%, 88%. Infelizmente, aids ainda não tem cura, mas hepatite tem. Então, não se pode deixar as pessoas morrerem porque o medicamento está patenteado e o preço é astronômico. Isto é questão de direitos humanos, o cidadão tem direito a uma saúde plena, uma sociedade tem direito ao acesso aos medicamentos”.
De acordo com ela, nos Estados Unidos também há contestação sobre o preço do tratamento da hepatite C, que chega a custar US$ 84 mil, enquanto países como Egito e Malásia, que não têm patente no medicamento, pagam de US$ 200 a US$ 300. “Aqui conseguimos chegar a um preço não tão baixo, mas muito melhor. Esse remédio da Gilead custa R$ 16 mil e o genérico sai a R$ 2.750, para um tratamento de 3 meses, que cura efetivamente a doença”.
Anvisa
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão foi instado judicialmente a “conceder anuência prévia” aos pedidos de patente do Sofosbuvir, tendo encaminhado ao Inpi os pareceres. A Anvisa ressalta que a concessão da patente não impede o registro sanitário do medicamento genérico, mas “impedirá a comercialização deste enquanto a carta patente estiver vigente”. A agência aponta que cabe ao Inpi avaliar os requisitos e conceder a carta patente.
O Inpi esclareceu que segue rigorosamente a legislação da propriedade industrial e que, para conceder a patente, são analisados os critérios de novidade, tendo a tecnologia objeto do pedido que ser nova no mundo todo; atividade inventiva, ou seja, não pode ser óbvia para um técnico do assunto; e aplicação industrial, que significa ser passível de fabricação.
Procurado pela reportagem, o laboratório Gilead Sciences disse que não comenta questões que estão sub judice.