MARCAS: UM DIREITO CONSTITUCIONAL DE PROPRIEDADE

MARCAS: UM DIREITO CONSTITUCIONAL DE PROPRIEDADE

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Autores: Adauto Emerenciano e Bruno Costa de Paula

O presente artigo abordará alguns aspectos de destaques do direito das marcas no ordenamento jurídico brasileiro, partindo dos conceitos básicos que norteiam o tema jurídico com suas distintas perspectivas.

É também um breve exame da Lei 9279/96 que regula a propriedade industrial e as marcas, bem como da legislação constitucional e infraconstitucional, atual e pretérita, acerca da matéria. Sobretudo, procuraremos analisar a real natureza jurídica das marcas.

Neste artigo, sugeriremos possíveis caminhos e soluções no sentido da afirmação e garantia dos direitos de propriedade do titular de registros marcários. Intentamos contribuir no sentido de apurar a correta definição e classificação das marcas no plano das criações industriais, bem como sua respectiva função social.

A Lei 9.279/96 regula os direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial. No art. 2º, incisos I a III, o legislador protegeu quatro espécies de bens imateriais:

Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:
I – concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade;
II – concessão de registro de desenho industrial;
III – concessão de registro de marca;

Acerca da definição legal de marca, assevera o artigo 122 da referida Lei:

Marca são os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

Com a definição elaborada pelo legislador, podemos concluir que marca, segundo a lei brasileira, é o signo que identifica produtos e serviços. Os sinais distintivos são definidos como meios fonéticos ou visuais, particularmente as palavras ou imagens, que são aplicados na vida econômica e social na designação das pessoas ou empresas, assim como nos produtos ou serviços que elas fornecem, a fim de distingui-las e de permitir ao público reconhecê-las.

A marca, especificamente, é sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços de outros análogos, de procedência diversa, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas.

No que concerne à natureza jurídica das marcas no Brasil, são reconhecidas como bens móveis, de natureza patrimonial, consentindo em direito real sobre bens imateriais, atingindo também o direito de personalidade, podendo ser criadas a partir de nomes próprios, de imagens ou títulos de obras artísticas.

Nesse sentido, dispõe o artigo 5º da Lei 9279/96:

Art. 5º Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial

Dessa forma, trata-se de bem passível de alienação e licença de exploração, atingindo o direito das obrigações.

Sendo assim, as marcas são de natureza real, conferindo aos seus titulares o direito de propriedade em todo território nacional.

Além disso, importante trazer à baila que a marca fica submetida à sua função social, qual seja, o interesse público de se reconhecer e valorar uma marca em uso e de seu conhecimento.

O fim social das marcas, previsto constitucionalmente, é o de se proteger a imagem empresarial, contudo, prestigiando a proteção ao consumidor. Assim, aquele que procura registrar sua marca, e a usa continuamente, adquire junto à sua clientela o reconhecimento ao investimento feito.

Outrossim, segundo o art. 129 da Lei 9.279/96, a propriedade da marca se adquire pelo registro. Pelo registro, fica atribuída ao titular a fruição exclusiva da utilização do signo no mercado designado, com exclusão de todas outras pessoas. Vejamos o disposto no referido dispositivo legal:

A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

O artigo 1.228 do Código Civil dispõe que propriedade é a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Assim, o direito de propriedade sobre uma marca registrada será o direito de usá-la e usufruí-la, inclusive mediante licenciamento. Também será o direito de aliená-la e defendê-la contra quem o violar.

Por essa razão, a Lei 9.279/96 menciona, no já referido art. 129, o uso exclusivo em todo o território nacional. O art. 130 menciona ainda as faculdades de ceder seu registro ou pedido de registro de licenciar seu uso e de zelar pela sua integridade material ou reputação. Como essas faculdades se referem ao registro, independentemente de seu titular, restam claras as características de que trata-se de um direito real.

No âmbito constitucional, as marcas também são consideradas como propriedade de seus titulares, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXIX da Carta Magna:

Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/1988:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes Pais a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a segurança e propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXIX — a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilegio temporário para sua utilização, bem coma proteção as criações industriais, a propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social a o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Como se vê, a constituição reserva às marcas um direito designado como “propriedade”. Também se observa tal tendência, quando da análise da legislação infraconstitucional atinente a essa questão:

Lei da Propriedade Industrial, Lei 9279 de 14/05/96:
Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional.

Nesse sentido, mostra-se a consagrada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cabendo destacar o seguinte julgado:

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL – MARCA – REGISTRO – CARÊNCIA DA AÇÃO.
I – A marca regularmente registrada no INPI, sem que contra a mesma se tenha levantado impugnações, confere a seu titular a propriedade e uso, eis que tem validade erga omnes. Assim, enquanto persistir o seu registro, tem-se como carente de ação, a ajuizada contra seu legítimo detentor.
II – Recurso não conhecido¹.

Importa salientar ainda, que a visão corrente do Direito Civil Constitucional também atribui a natureza de propriedade às marcas, conforme elucidativa lição de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber:

Este rol de proteções “clássicas” à propriedade privada, já exaustivamente descrito pela doutrina, vem, no que aplicável, tutelar também aquelas novas situações jurídicas subjetivas cuja formulação tem sido construída com base no modelo proprietário. Assim, as marcas, patentes e todas as expressões da assim chamada “propriedade intelectual” vêm artificialmente desenvolvidas sob os moldes de um estatuto proprietário, justamente para atrair a eficácia protetiva que se atribui à propriedade privada. Também, nestes casos, todavia, não se pode deixar de referir à função social que deve ser desempenhada por estas novas situações jurídicas subjetivas, a serem igualmente condicionadas aos interesses sociais relevantes e ao desenvolvimento da personalidade humana, fim maior do nosso sistema civil-constitucional².

A natureza jurídica de propriedade que recai sobre a marca registrada compreende, portanto, as faculdades elementares do domínio. E o que denota-se a partir da leitura dos arts. 129 e 130 da Lei 9279/96.

A doutrina tem observado que, de todos os direitos da propriedade intelectual, a marca é o mais assimilável à propriedade comum, mesmo por ser a única modalidade que não é limitada no tempo. A prorrogação de seu registro pode ocorrer quantas vezes for de interesse de seu titular.

Dessa forma, por tratarem-se de objeto de propriedade, e também pelo fato de que os registros têm natureza análoga aos direitos de propriedade sobre bens físicos, justifica-se a aplicação do paradigma dos direitos reais sobre bens móveis às marcas registradas.

Portanto, é de se observar, que segundo a Carta Magna e lei ordinária, o direito sobre as marcas deve classificar-se como um direito de propriedade.

Contudo, em nosso entendimento, a natureza jurídica das marcas é dúplice, englobando tanto o reconhecimento de propriedade quanto de exclusividade concorrencial.

Isso porque, sobre tais criações intelectuais recai uma espécie de monopólio jurídico, sendo importante não confundi-lo de forma alguma com monopólio econômico. Para concretização desse monopólio jurídico deve-se sopesar a liberdade de concorrência e a exclusividade, assim visando alcançar alguns interesses socialmente relevantes. O equilíbrio e moderação entre esse essas duas questões incumbirá ao titular da exclusividade, ou seja, ao detentor da marca registrada.

O Supremo Tribunal Federal, em importante julgado realizado no ano de 1988, já asseverou pela dupla natureza jurídica das marcas. Vejamos sua ementa:

O artigo 153 da Constituição assegura a disciplina do direito concorrencial, pois a proteção a propriedade das marcas de indústria e comércio e a exclusividade do nome comercial, na qual se incluem as insígnias e os sinais de propaganda, compreende a garantia do seu uso. Lei estadual que, a pretexto de regular o consumo, limita o exercício daquele direito, e ainda cria condições para praticas de concorrência desleal, malfere a norma constitucional. Representação julgada procedente para declarar inconstitucional o artigo 2 e seus parágrafos da lei n. 1.111, de 05 de janeiro de 1987, do Estado do Rio de Janeiro. Observação: votação: unânime. Resultado: procedente³.

Nesse particular, resta evidenciado que o Supremo posicionou-se no sentido de que o direito de propriedade das marcas está intimamente atrelado ao aspecto concorrencial. Em realidade, o entendimento do Pretório Excelso, foi de que a natureza cumulativa entre esses dois institutos (direito de concorrência e propriedade) mostra-se necessária para resguardo da função social da marca, estabelecida constitucionalmente.

Importante frisar que o direito de concorrência está diretamente atrelado ao princípio da especialidade das marcas, de modo que a propriedade de uma marca só deve existir dentro dos limites da sua especialidade.

O princípio constitucional da especialidade das marcas é quem possibilita o adequado equilíbrio de interesses juridicamente relevantes, assegurando a distinção marcária com o mínimo de restrição da liberdade de usar signos. Permite a coexistência de vários titulares, detentores de registro de marcas idênticas e afins, contudo, para designar produtos e/ou serviços diversos, sem aparente conflito e de modo pacífico e harmônico no mercado.

Portanto, entendendo-se pela natureza jurídica dúplice das marcas, verifica-se que não há propriedade sobre o signo propriamente dito, mas sobre a oportunidade de fazer uso de determinado sinal numa atividade específica.

CONCLUSÃO

Ante as linhas expostas acima, concluímos que tratam-se as marcas de uma das formas de propriedade previstas na Constituição Federal, ressaltando-se que o exercício dessa propriedade deve se dar dentro de um equilíbrio específico entre interesses juridicamente relevantes. Notadamente, cumulando-se a legítima titularidade de um registro e o aspecto concorrencial.

A marca, após registrada, torna-se de uso exclusivo do seu titular, para uso no mercado específico para a qual foi concedida (art. 129 da Lei 9279/96). Essa titularidade acarreta ao seu detentor todas as faculdades inerentes à propriedade, dentre ela a faculdade de transferir o uso do signo a terceiros (e haver pagamento por isso), a faculdade de defender a exclusividade, e de reaver a marca de quem injustamente a detenha (art. 130 da LPI).

À luz da Constituição Federal, assim como preconiza a legislação infra-constitucional, a exclusividade advinda de um registro marcário caracteriza-se como propriedade, de modo a atribuir às marcas a natureza de um direito real. Todavia, a expressão desse direito se concretiza necessariamente a partir de seu equilíbrio com o direito de concorrência.

                                                                                                  

¹STJ, REsp 9415, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j:04.06.1991, DJ:01.07.1991
²TEPEDINO, Gustavo; SCHEREIBER, Anderson, Da Propriedade no Direito Brasileiro, Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 – Junho de 2005
³STF, Rp 1397, Rel. Min. Célio Borja, j:11.05.1988, DJ: 10.06.1988

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